Américo Izidoro Angélico
quarta-feira, 14 de março de 2012
Sendo a despesa condominial uma
obrigação propter rem, conclui-se que tal não tem correspondência à dívida
líquida constante de instrumento público ou particular, justamente porque tais
instrumentos não são a fonte da obrigação condominial.
Com base no
disposto no art. 205 do Código Civil de
2002, tornou-se regra geral que o prazo prescricional, para a cobrança de cotas
condominiais, seria de dez anos, a contar da vigência daquele diploma legal.
Reza o artigo 205 do CC/2002:
"A prescrição ocorre em 10(dez) anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor".
A nova lei civil não distingue prazo para prescrição relativa às
pretensões reais ou pessoais, nem mesmo entre ausentes ou presentes na forma
anteriormente prevista no art. 177 do Código Civil de 1916.
Ao seu turno, as despesas condominiais são gastos realizados nas partes
de uso comum do condomínio, normalmente pagos por rateio entre os condôminos,
observada a proporcionalidade de suas quotas.
A questão da prescrição, relativamente às quotas condominiais, analisada
sob a vigência do Código Civil de 1916, apresentava-se pacificada, convergindo
doutrina e jurisprudência ao confirmarem a ocorrência da prescrição vintenária
na espécie.
Isso porque o Código Civil de 1916, em seu artigo 177 assim dispunha:
"As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos,
as reais em 10(dez), entre presentes, e entre ausentes em 15 (quinze) anos,
contados da data em que poderiam ter sido propostas".
Tal regramento era complementado pelo art. 179 do mesmo Codex
prescrevendo:
"Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados,
quanto ao prazo, pelo artigo 177".
Desta forma, a sistemática disciplinada pelo revogado Diploma Civil,
determinava que excetuando-se os casos previstos no art. 178, que descrevia
hipóteses em que o lapso prescricional seria reduzido, podendo ser de 10 (dez)
dias, 15 (quinze) dias, dois (dois) meses, 3 (três) meses, 6 (seis) meses ou 5
(cinco) anos, e também o disposto em lei especial, todas as demais ações
pessoais prescreveriam em 20 (vinte) anos.
Como a lei
reguladora dos condomínios edilícios (lei 4.591/1964), não
continha norma disciplinando especialmente a questão da prescrição das quotas
condominiais, aplicava-se, por óbvio, a regra geral contida no art. 177 do
Código Civil de 1916, prescrevendo em 20 (vinte) anos a pretensão de cobrança
judicial das quotas condominiais em atraso, perecendo respectivo direito de
ação.
Inovando em relação à doutrina da prescrição, o novo Código Civil,
estabeleceu em seu art. 205, prazo único prescricional de 10 anos, não mais
diferenciando como fazia o Diploma anterior, as ações pessoais das ações reais
para o mister, e nestas últimas, não mais discriminando o lapso temporal entre
presentes e entre ausentes.
Determina o art. 205:
"A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor".
Observa-se que a sistemática do Código Civil de 1916 foi parcialmente
preservada, ou seja, estabelece-se um prazo geral como regra (10 anos para o
atual Código), sendo este apenas excepcionado nos casos previstos no próprio
Código Civil (art. 206) ou em lei especial, regulando diversamente determinada
matéria, sendo que, em qualquer caso, o lapso temporal deverá ser inferior ao
cominado abstratamente à generalidade dos casos, não podendo haver prazo
prescricional superior ao decênio legal, cominado no art. 205 do Código Civil
de 2002.
A questão que se pretende elucidar, neste estudo, diz respeito à norma
aplicável às quotas condominiais, devendo-se ter em mente que,
aprioristicamente, tal prazo seria de 10 (dez) anos, somente não incidindo o
decênio, se enquadrada a hipótese em alguma das exceções elencadas
taxativamente no art. 206 do novo diploma de direito material, ou então, se
houvesse previsão diversa em lei especial, especificamente, a matéria
condominial, em especial, a matéria relativa à prescrição do direito de ação.
Dentre os casos explicitados, em que o lapso prescricional é reduzido,
dois deles poderiam semear dúvidas no interprete que buscasse divisar a
situação das quotas condominiais, quais sejam, o do art. 206 e 2º e o art. 206,
parágrafo 5º, inciso:
I. O primeiro caso (art. 206, parágrafo 2º) é facilmente afastável,
podendo-se notar que a subsunção é meramente aparente, já que apesar de as
despesas condominiais terem a mesma natureza de prestações periódicas, não
compartilham do caráter alimentar das prestações previstas nesse dispositivo
legal, despicienda, assim, quaisquer outras considerações a respeito do tema.
"Art. 206. Prescreve:
Parágrafo 5º em cinco anos:
I. A pretensão de cobrança de dívidas constantes de instrumento público
ou particular".
Entendem alguns autores e parte da jurisprudência, que à primeira vista
tal dispositivo aplicar-se-ia às quotas condominiais. O argumento utilizado é
que a cobrança de prestações condominiais, exigível dos condomínios em virtude
da realização de despesas de manutenção e limpeza das áreas comuns e também
contratação de pessoal para servir ao condomínio, estaria assentada na previsão
de tal procedimento na respectiva convenção condominial, sendo esse espécie de
instrumento, particular ou público, conforme o caso, que ampararia a pretensão
do condomínio, ente com capacidade postulatória apesar de desprovido de
personalidade jurídica, em cobrar judicial ou extrajudicialmente, a parcela de
cada condomínio em inadimplência para com seus deveres obrigacionais.
A questão da fixação da prescrição no prazo de dez anos, com fulcro no
disposto no art.205 do CC em vigor, relativamente à cobrança de despesas
condominiais, foi discutida e acatada no V. Acordão proferido no julgamento da
Apelação nº. 2003011093084-9, pela Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e territórios, sendo Relatora a Desembargadora Sandra De
Santis, a qual, inclusive colacionou expressamente a posição deste articulista
para embasar o atendimento esposado no voto; conferindo-se a ementa do acórdão:
"Civil - Ação de Cobrança – Despesas Condominiais – Prescrição –
Contagem, Novo Código Civil. 1) A partir da vigência do Novo Código Civil, o
prazo prescricional das ações em que não tiver transcorrido metade do tempo
previsto no Código de 1916 fluirá inteiramente nos termos da nova legislação.
2) Prevalece o entendimento de que o artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do
Novo Código Civil não é aplicável às quotas condominiais por ser a convenção do
condomínio tão somente um documento que regula a cobrança das prestações
devidas pelos condôminos, e não instrumento de fonte da obrigação. Aplica-se o
disposto no art. 205 da mesma lei. 3) A contagem do novo prazo prescricional
deve ser iniciada a partir da entrada em vigor do atual Código Civil. 4)
Apelação improvida".
Por sua vez, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação
Cível nº 9179542-44.2008.8.26.0000, relatada pelo Desembargador Julio Vidal,
julgada aos 8 de novembro de 2011, decidiu o seguinte:
"Despesas de condomínio. Cobrança. Prescrição. Impropriedade.
Prescreve em vinte anos a ação de cobrança de cotas de condomínio vencidas sob
a égide do Código Civil de 1916 e em dez anos, se se referir à quotas vencidas
a partir da vigência do Código Civil de 2002, observada a consequência da
redução do prazo (art. 2028). Recurso não provido."
Contrariando o entendimento acima transcrito, em recente julgado emanado
do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº
1.139.030, sendo relatora a ministra Nancy Andrighi, decidiu pela prescrição
quinquenal com fulcro no artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, letra 'd', do
Código Civil de 2002, por entender que a cobrança do débito condominial é
lastreada em documentos.
Como se lê o corpo do Acórdão:
"Cumpre ressaltar que alguns doutrinadores (entre ele, Angélico
Américo Izidoro Condomínio no novo código civil. São Paulo: J. Oliveira, 2005,
p.81) defendem que o prazo prescricional de cinco anos não se aplica às cotas
condominiais, porque essas despesas não são devidas por força de uma declaração
de vontade expressa em um documento, mas em virtude da aquisição de um direito
real. Todavia, a previsão do art. 206, Parágrafo 5º, I, do CC/02 não se limita
às obrigações em que a fonte seja um negócio jurídico."
Entendeu o V. Acórdão na ocasião proferido, que o artigo 206, parágrafo
5º, inciso I do CC/02 incide nas situações de obrigações líquidas definidas em
instrumento público ou particular não importando o fato jurídico que deu origem
à relação obrigacional, argumentando, outrossim, que o crédito decorrente de
taxas condominiais somente possa a ser líquido quando o condomínio define o
valor das cotas à luz da convenção que rege e das decisões tomadas nas
assembleias.
Não obstante o entendimento acima esposado, o qual, salvo melhor juízo,
desvirtua a natureza da obrigação condominial, mantenho firme minha posição
doutrinária, no sentido da prescrição decenal para a cobrança das despesas
condominiais.
Primeiramente, porque o nascimento da relação obrigacional estudada não
se dá com a convenção de condomínio, que apenas regulamenta tal obrigação, a
qual é de natureza "propter rem", ou seja, que surge devido à relação
jurídica existente entre uma pessoa e um determinado bem, relação de
propriedade, no caso das despesas condominiais.
Em outras
palavras, a obrigação, no caso, é ambulatória (ambulat cum domino),
pois acompanha a coisa, independentemente do seu titular.
E, sendo a
despesa condominial uma obrigação propter rem,
conclui-se que tal não tem correspondência a dívida líquida constante de
instrumento público ou particular, justamente porque tais instrumentos não são
a fonte da obrigação condominial.
E mais, ainda que a convenção condominial instrumentalize a obrigação de
cooperar com o pagamento das despesas de manutenção das partes comuns nos
condomínios edilícios, mesmo assim, não é a fonte de tal obrigação.
Na verdade, essa obrigação decorre, como já dito, de sua natureza
"propter rem", originando-se da relação de sujeição de um bem a uma
pessoa – o "dominus", ou seja, da simples circunstância, de alguém
ser dono de um bem, no condomínio.
De tal sorte que, alguém que adquira uma unidade condominial, mesmo não
sendo signatário da convenção, por ter adquirido o imóvel posteriormente à sua
formação ou por não ter se interessado em participar de sua elaboração, ainda
assim é obrigado a concorrer nas despesas condominiais, pois sua obrigação tem
caráter legal, decorrente de sua propriedade e não de um ato volitivo negocial
constante de instrumento público ou privado.
O mesmo ocorre quando não exista convenção condominial escrita,
situações em que, não obstante o condômino se obrigará ao pagamento das
despesas decorrentes do uso da coisa comum, visto não ser a convenção a fonte
da obrigação mas o vinculo real, daí porque o pacto de convivência condominial
não pode ser tido como o instrumento de que trata o artigo 206, parágrafo 5º,
inciso I, do diploma civil de 2002, pois sua natureza é apenas reguladora da
obrigação e não sua fonte direta e imediata.
Por outro, não se pode duvidar que a prevalecer o entendimento
recentemente esposado pelo STJ, acima relatado, ocorreria uma verdadeira
premiação para os condôminos inadimplentes que se furtem à citação em ação de
cobrança das quotas em atraso, como é cediço acontecer, e bem assim para aqueles
que só frequentam o Condomínio esporadicamente, naqueles Condomínios da orla ou
de lugares turísticos, por residirem em outros locais distantes, ou até mesmo
em outros Estados da Federação, cuja inadimplência episódica causará muitos
transtornos ao credor das quotas inadimplidas, em eventual ação de cobrança,
defendendo, por estes e pelos motivos já esposados neste artigo, o prazo
prescricional de dez anos para a ação de cobrança que se revela mais
tecnicamente defensável em juízo.
Por
fim, ad argumentandum, se é para considerar que a dívida
condominial está prevista em instrumento público ou particular, que seja
possível, então, a propositura de ação de execução ou, no mínimo, uma ação
monitória, para exigir a dívida condominial em aberto, ao invés de uma ação
sumária de cobrança, a qual, sabidamente, não cumpre hoje com o seu mister de
ser um procedimento célere e eficaz.
Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI151707,31047-Prescricao+das+cotas+condominiais+a+luz+do+Codigo+Civil+de+2002.
Acesso em 3 fev 2015.